Tesouro
usou R$ 390 bi em 6 anos para estimular concorrência entre
bancos
Estratégia
do governo de estimular a atividade econômica via recursos do Tesouro ampliou
participação de BNDES, BB e Caixa
09
de dezembro de 2012 | 22h 30
Leandro
Modé, de O Estado de S. Paulo
SÃO PAULO - O Tesouro
Nacional injetou R$ 390,1 bilhões nos três bancos controlados pelo governo
federal - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Banco do
Brasil e Caixa Econômica Federal - entre o fim de 2006 e outubro deste ano. No
período, a participação das instituições financeiras públicas no crédito total
da economia saltou de 36,8% para 46,6%.
A forte expansão é
resultado da estratégia do governo de estimular a atividade econômica e aumentar
a concorrência no setor financeiro. Quarta-feira, o governo deu mostras de que a
estratégia permanecerá ativa. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou a
liberação de R$ 100 bilhões para o BNDES no ano que vem. Desse valor, cerca de
R$ 45 bilhões poderão ter como fonte o Tesouro Nacional.
Para muitos analistas,
porém, o modelo adotado pelo governo traz pelo menos dois riscos. O primeiro é
financeiro: um crescimento muito acelerado do crédito pode implicar pesadas
perdas no futuro caso haja alguma mudança abrupta no cenário econômico
brasileiro e/ou global. Foi o que deu origem à crise financeira internacional
que estourou em 2008.
"Se hoje, com a economia
relativamente em boa situação, os índices de inadimplência estão elevados, o que
pode acontecer se houver uma reviravolta?", indaga o analista de instituições
financeiras da Austin Rating, Luís Miguel Santacreu. Ele pondera que,
atualmente, "o crédito está andando na frente da economia, quando o ideal é que
os dois caminhem juntos".
O analista refere-se à
velocidade de expansão dos empréstimos e do Produto Interno Bruto (PIB). Nos 12
meses terminados em outubro, o crédito total no País cresceu 16,6%, enquanto o
PIB deve avançar cerca de 1% no ano.
Na Caixa Econômica
Federal, o ritmo tem sido muito mais expressivo: 45%. Em geral, os grandes
bancos privados de varejo consideram saudável um crescimento do crédito duas
vezes superior ao do PIB, já descontada a inflação.
Dívida do
governo
O segundo risco apontado
pelos especialistas na estratégia do governo é fiscal: a dívida pública bruta é
pressionada pelos desembolsos do Tesouro Nacional aos bancos, embora a dívida
líquida (que desconta os ativos do governo federal) permaneça em trajetória de
queda.
"Se essa política for
mantida indefinidamente, poderá levar o Brasil a ter problemas de solvência no
futuro", afirmou o economia Felipe Salto, especialista em finanças públicas e analista da Tendências
Consultoria Integrada.
Salto, que levantou os
números para o Estado, observa que a dívida bruta brasileira deve encerrar 2012
próxima de 64% do PIB, segundo os critérios do Fundo Monetário Internacional
(FMI). Na média, os países emergentes estão com endividamento na casa dos 35% do
PIB. Os avançados, que enfrentam grave crise de confiança justamente por causa
das dívidas elevadas, estão com 111% do PIB.
Para o economista-chefe
da LCA Consultores, Bráulio Borges, esses dados mostram que a dívida bruta
brasileira, hoje, não é alta nem baixa. "A questão é que a prudência recomenda
que um governo mantenha o endividamento em níveis baixos para ter espaço fiscal
caso tenha de enfrentar uma crise inesperada, como a de 2008",
afirmou.
Se a folga fiscal não é
tão grande, o socorro de um governo para evitar (ou amenizar) uma recessão pode
se transformar em uma crise ainda maior. É o que ocorreu nos Estados Unidos, que
tinham um nível de endividamento relativamente confortável antes da quebradeira
de bancos.
As medidas de George W.
Bush e Barack Obama para evitar uma depressão como a dos anos 30 elevaram a
dívida e, por tabela, o risco fiscal. A situação americana só não é mais
delicada porque o país emite o dólar, ainda a moeda mais confiável do
mundo.
Por tudo isso, o sócio da
MCM Consultores e ex-diretor do Banco Central (BC), José Julio Senna, avalia que
o governo tem de trocar de estratégia. "O problema do Brasil, hoje, é estimular
a oferta da economia, e não a demanda, seja por meio de mais crédito público ou
outros instrumentos", argumenta.
Ele pondera que, na fase
mais aguda da crise, a resposta do governo fez sentido. "Foi aceitável, naquela
ocasião, o aumento do crédito público. Mas hoje vivemos a fase crônica da crise,
que precisa de outro tipo de remédio."
Senna afirma ainda que
não vê riscos de solvência no Brasil de hoje, porque vários outros países têm
situação fiscal pior. "Minha preocupação maior é com o uso dos recursos
públicos, que deveriam ser direcionados para questões mais prementes do dia a
dia dos brasileiros, como saúde, educação e segurança."
Ele acrescenta, ainda,
que empréstimos concedidos por instituições financeiras privadas tendem a ser
mais bem aplicados (e, portanto, mais eficientes) porque não costuma haver
interferência política na decisão.