O carro usado, até há poucos anos um investimento, está a caminho de virar sucata. A desvalorização em relação ao zero-quilômetro é tão veloz que analistas provêem um cenário similar ao de países desenvolvidos, onde o modelo com mais de dez anos é descartado. A facilidade oferecida por bancos e montadoras na aquisição de carros novos e a frequência maior com que fabricantes atualizam seus modelos provocam distanciamento cada vez maior entre novos e usados.
Em dois anos, o valor de um automóvel chega a ter depreciação superior a um terço em relação ao novo. O que ainda dá sobrevida maior aos carrinhos mais velhos é que eles são "exportados" pelas metrópoles para as periferias. Em 2009, um Vectra Elegance zero, da GM, por exemplo, custava R$ 56,5 mil. A versão um ano mais velha apresentava 13,6% de desvalorização e a de dois anos de uso, de 18,9%.
Hoje, o Vectra novo sai por R$ 61 mil, enquanto o de um ano perdeu 24,9% do valor e o de dois anos perdeu 34,4%, segundo a consultoria Molicar. Há casos de carros novos que chegam mais baratos que o modelo anterior, em razão da concorrência.
O Honda Civic zero é vendido por R$ 69,5 mil. Em 2009, custava R$ 70 mil. A desvalorização do modelo de dois anos era de 20,3%. Hoje é de 24,7%. "A tendência é de um distanciamento cada vez maior entre carro novo e usado", confirma Vitor Meizikas, da Molicar. Para ele, o Brasil, como quarto maior consumidor mundial de automóveis novos, terá de seguir a lógica global da desvalorização mais acentuada. "Lá fora, carro com seis anos é considerado velho".
A lógica deixa de ser regra quando há uma crise. Nos Estados Unidos, a idade média da frota é de 10 a 11 anos, a mais alta da história. No Brasil, é de 8 anos e 8 meses, a mais baixa já detectada no País. Em 2010, 4% da frota brasileira tinha mais de 20 anos, participação que era de 9% em 2000.
O presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Cledorvino Belini, concorda que a ampliação do crédito permite a muitos consumidores "partirem diretamente para o zero". Em 2004, para cada carro novo foram vendidos 4,8 usados. Hoje, a relação é de 2,7.
Antes, o usado desvalorizava 10% ao ano, depois da perda inicial de 20% ao sair da loja. Agora, a perda varia de 15% a 18% ao ano, diz o dono da loja Trans Am, Munir Faraj, no ramo há 35 anos. Segundo ele, até 2010 um seminovo (com até três anos) ficava na loja em média 30 dias.
Hoje, fica de 60 a 70 dias. Também há os "invendáveis". Faraj tem um Vectra 2009 adquirido em novembro de 2010 por R$ 38,5 mil. "Paguei IPVA de 2011 e 2012, R$ 1 mil em rodas de liga leve, R$ 400 em polimento e ofereço a R$ 37,9 mil, mas não tem comprador."
Para George Chahade, da Assovesp (associação das lojas de usados), a forte desvalorização pode travar o mercado. "Se o consumidor não consegue preço pelo usado, não vai comprar o zero." (Fonte: O Estado de S. Paulo)